Indonésia: 50 anos desde os massacres anti-comunistas

Vincent Kolo, chinawoker.info

Tradução de João Carreiras e Pedro Viegas

O terceiro maior Partido Comunista do mundo esmagado por um golpe militar apoiado pelos EUA.

O ataque militar contra o Partido Comunista da Indonésia (PKI na sigla original), que começou em Outubro de 1965 e continuou no ano seguinte, foi um dos massacres mais sangrentos do século XX. Mesmo a CIA (agência de espionagem norte-americana), que conspirou juntamente com os generais indonésios de direita para orquestrarem estas atrocidades, mais tarde comparou os massacres com os crimes do nazismo ou o terror de Estáline.

As potências imperialistas temiam que a Indonésia, governada pelo populista Sukarno que era apoiado pelo PKI, saísse da esfera de influência capitalista ‘ocidental’. Um memorando da CIA de 1962 mostra que o presidente dos EUA John F. Kennedy e o primeiro-ministro britânico Harold Macmillan concordaram em “liquidar o Presidente Sukarno, dependendo da situação e das oportunidades disponiveis”.

Massacres racistas

A CIA e a Embaixada dos EUA em Jakarta entregaram listas com milhares de nomes de ‘suspeitos comunistas’ para o exército prender e executar, apoiado por milícias de cariz religioso. Foi o Reino Unido, na altura sob o governo trabalhista de Harold Wilson, que impeliu o exército indonésio a dar um teor anti-chinês à sua campanha de terror. Esta indicação baseou-se na experiência colonial da administração britânica de lutar contra a insurreição comunista na Malásia. De acordo com Roland Challis, correspondente da BBC na altura, a “ideia mais bem sucedida que o ocidente foi capaz de inculcar nos políticos não comunistas indonésios foi a associação dos comunistas com a minoria chinesa. Passou a ser uma questão étnica.”

O capitalismo britânico e norte-americano mostrou não ter remorsos em agitar as divisões racistas e religiosas na procura dos seus objectivos militares e económicos. Este padrão tem vindo a ser repetido recentemente no Médio Oriente.

As mortes na Indonésia tomaram proporções quase industriais, com estimativas de pelo menos 500 mil mortos. Os rios e canais ficaram bloqueados, à medida que centenas de cadáveres eram atirados, noite após noite. O documentário de 2012, ‘The Act of Killing’, que recomendamos, aproxima a contagem do 1 milhão de mortos. Dois terços eram de etnia chinesa. O regime militar subsequente baniu o uso dos símbolos chineses e encerrou escolas chinesas.

Estes eventos marcaram o princípio do fim para Sukarno, que tinha governado balançando um estilo ‘bonapartista’ entre o PKI à sua esquerda e o exército e grupos feudo-islâmicos, à sua direita. O PKI foi ilegalizado e à volta de 1 milhão de pessoas presas sem julgamento. O departamento de Estado dos EUA publicou um jubiloso relatório, indicando que o número mundial de comunistas fora dos países do bloco de Leste tinha diminuído em 42% num único ano. Sukarno permaneceu no governo apenas como testa de ferro da junta militar, que o afastou passado um ano. Estes eventos deram lugar à ditadura de 32 anos do General Suharto.

O brutal regime de Suharto foi uma das muitas ditaduras militares patrocinadas pelos EUA – incluindo Chung Hee na Coreia do Sul e Chiang Kai-shek em Taiwan – para conter a onda revolucionária que alastrava pela Ásia. Depois do golpe indonésio, o primeiro-ministro australiano Harold Holt disse que “com 500 mil a 1 milhão de simpatizantes comunistas derrubados, acho que é seguro assumir que uma reorientação teve lugar.”

Capítulo desconhecido

Hoje em dia, os eventos de 1965-66 são um capítulo da história da Indonésia pouco conhecido. Durante décadas o sistema de ensino deu aulas de ‘lavagem cerebral’ com filmes de propaganda anti-comunista. Uma sondagem no Jakarta Post, em 2009, mostrava que mais de metade os estudantes universitários “nunca tinha ouvido falar dos massacres dos anos 1960”. As leis da era Suharto que baniram o comunismo, o marxismo e o ateísmo não foram revertidas.

Um movimento revolucionário derrubaria Suharto mais tarde, durante a ‘crise da rupia’ em 1998, ironicamente após o FMI – que Suharto convidou de novo – impôr ao seu governo medidas de austeridade humilhantes, ao estilo grego. No entanto, a chefia do exército, com os seus extensivos interesses económicos, continua a ser um actor principal na política indonésia até aos dias de hoje. As milícias de direita que levaram a cabo a maioria das mortes em 1965-66, sob direcção militar, nunca foram investigadas ou punidas e continuam a gozar de fortes laços com o regime.

Sukarno foi um líder nacionalista burguês radical, à imagem do egípcio Nasser e do indiano Nehru, que oscilaram entre os blocos ocidental e de leste, entre o capitalismo liderado pelos EUA e os regimes estalinistas de partido único. Nos seus últimos anos, Sukarno tinha sido sobejamente cortejado por Pequim, que era também o principal aliado internacional da liderança do PKI. Esta foi também uma altura de acirrada rivalidade entre os regimes estalinistas russo e chinês, uma luta pelo poder baseada em puros interesses nacionais mas com a roupagem da ‘linha justa’ contra o ‘revisionismo’.

No início da década de 1960, à medida que a ‘Guerra Fria’ se intensificava especialmente na Ásia, Sukarno enveredou por um anti-ocidentalismo radical. No entanto, isto não o impediu de assinar um acordo com compahias petrolíferas ocidentais em 1963, ignorando as exigências do PKI e dos nacionalistas a favor da nacionalização. Em conflito sobre os planos britânicos e estado-unidenses para a recém-independente Malásia ser uma ponte para os interesses ocidentais na região, que Sukarno apelidou de “neocoloniais”, ele retirou a Indonésia das Nações Unidas. Expulsou também do país o FMI e o Banco Mundial com as suas agendas pró-EUA.

Estas medidas fizeram soar os alarmes em Washington e Londres, embora no terreno as condições de vida das massas indonésias continuassem a deteriorar-se, com superinflação, aumento do desemprego e um impasse na reforma agrária. Os discursos de Sukarno estavam cheios de retórica radical mas este não advogava uma alternativa ao capitalismo. Adepto dos acrónimos, lançou então o conceito de NASAKOM – uma fusão de nacionalismo, Islão e comunismo. Mais não eram que vãs palavras para acalmar as diferentes forças sociais.

Uma seca severa em 1963 levou a uma fome massiva na Java Central. Quando os camponeses, inicialmente apoiados pelo PKI, começaram a ocupar a terra, o exército lançou uma extensa repressão. Sukarno apelou aos líderes do PKI para pararem a sua agitação sobre esta questão em troca de concessões fantoche, o que estes fizeram. Na sua excelente pequena história, ‘The Rise and Fall of the PKI’, Craig Bowen do CIT Austrália explica que “O país estava fortemente endividado aos bancos internacionais e a cada ano o défice orçamental duplicava. O valor da rupia tinha caído para um centésimo do seu valor legal devido à inflação crónica – nos 6 anos até 1965, o custo de vida tinha aumentado 2000%. Ao mesmo tempo, dizia-se que até 75% do orçamento do estado estava a ser gasto com o exército.”

A teoria das ‘etapas’

A crescente insatisfação entre as massas reflectira-se no crescimento meteórico do PKI, que de 7000 membros em 1952, inchou para 3 milhões em 1964. Tornou-se o terceiro maior partido comunista mundial a seguir ao chinês e ao russo. Em Agosto de 1965, semanas antes do golpe militar começar, 26 milhões de trabalhadores estavam organizados em sindicatos liderados pelo PKI, em organizações de jovens e mulheres – um sexto da população! O líder do PKI Dipa Nusantara Aidit, que foi capturado e assassinado pelo exército em Novembro de 1965, gabava-se de que o seu partido ganharia 30% do voto popular se houvesse eleições, o que era inteiramente plausível.

Mas não houve eleições – estas tinham sido suspensas com o consetimento da liderança do PKI, quando Sukarno introduziu o que ele apelidou de “democracia guiada”, na verdade lei marcial, em 1959. Nas últimas eleições parlamentares com Sukarno, em 1955, o PKI tinha emergido como a quarta força mais votada com 16.4% dos votos.

Os líderes do PKI estavam infelizmente presos ao paradigma estalinista da teoria das ‘etapas’, acreditando que não havia possibilidade imediata de uma revolução socialista em países em vias de desenvolvimento como a Indonésia, apenas recentemente libertada do colonialismo holandês, e concluindo que a tarefa do movimento dos trabalhadores era apoiar a ala mais radical da classe capitalista nacional numa “aliança anti-imperialista”. O objectivo, de acordo com esta concepção, era consolidar o capitalismo nacional e a ‘democracia’ enquanto adiavam a ideia de socialismo indefinidamente. O líder do PKI Aidit insistia que “a luta de classes subordina-se à luta nacional.”

Esta ideia, um acto de fé para os líderes estalinistas, significava que o PKI actuava como um travão das lutas de massas. Enfatizava questões nacionais como a confrontação militar e política contra a formação do estado malaio, apoiada pelos EUA-Reino Unido (que partilha uma fronteira terrestre com a Indonésia na ilha de Bornéu), mas à custa de lutar por questões de classe à maneira da revolução russa de 1917 e do seu famoso slogan, “Paz, pão e terra!”

De acordo com os termos da aliança de Sukarno com o PKI, o partido tornou-se um apêndice de facto do governo de Sukarno, alienado de qualquer independência programática ou de acção e apenas se envolvendo em campanhas sancionadas pelo presidente.

O historiador David Mozingo disse que “As grandes organizações de trabalhadores, jovens e mulheres do partido conseguiam produzir esplêndidas concentrações para Sukarno discursar; essas reuniões, no entanto não conseguiam persuadir as bases nas cidades de que o PKI se aproximava do poder.”

As diferenças políticas entre o PKI, ostensivamente fundado sob o ‘marxismo’, e Sukarno, esbateram-se aos olhos das massas e mesmo dentro da liderança do PKI. Como o historiador australiano Rex Mortimer notou, “Em 1963, a adoração do partido tinha-se tornado quase uma idolatria. Apesar do notório desdém e ignorância por assuntos económicos do presidente, o partido declarou que a solução para os problemas económicos se encontrava em boas mãos. Algum tempo depois Aidit chegou a descrever o presidente como o seu primeiro professor em marxismo-leninismo.”

Reedição da China da década de 1920

A confusão política dos líderes do PKI, o seu falhanço em seguir uma política independente e claramente socialista, parece uma reedição dos erros dos estalinistas na China na década de 1920. Leon Trotsky, cuja teoria da revolução permanente é o melhor antídoto para a teoria estalinista das etapas, explicou que os marxistas podem e devem, dependendo de condições concretas, entrar em alianças de carácter prático temporárias com forças não-socialistas e mesmo partidos burgueses, por exemplo para resistir a intervenções militares imperialistas ou em defesa dos direitos democráticos, mas ao mesmo tempo mantendo a sua completa independência política e a liberdade de acção.

É por isso que Trotsky se opôs à entrada do Partido Comunista Chinês (PCC) no Kuomintang em 1924, uma política forçada por Estáline ao jovem e inexperiente PCC. Isto significava a total subordinação do partido ao burguês Kuomintang – um partido e uma classe social incapazes de liderar uma revolução democrática burguesa à vitória.

Ironicamente, 40 anos volvidos, o regime de Mao Tsé-Tung na China entusiasticamente defendeu a subordinação do PKI a Sukarno. Tal como na década de 1920, o resultado foi uma contra-revolução assassina e a aniquilação da camada comunista avançada da classe trabalhadora. Não compreendendo a sua própria história, o regime chinês aplaudiu a adaptação política do PKI a Sukarno. Em 1963, Aidit foi considerado membro honorário da Academia Chinesa de Ciências e uma compilação dos seus trabalhos foi publicada por Pequim. A chamada frente unida do PKI com Sukarno foi aplaudida pela “sua grande importância internacional para o movimento internacional comunista”.

O objectivo desta bajulação era premiar o PKI para o afastar da órbita de Moscovo e para dentro da órbita de Pequim e, mais importante, para assegurar os serviços do PKI na aproximação de Pequim a Sukarno e à burguesia indonésia. É uma réplica do que aconteceu quatro décadas antes, quando Estáline utilizou o silenciado PCC como forma de assegurar uma aliança com o Kuomintang de Chiang Kai-Shek. Mesmo após os ataques militares de 1965 terem começado, em vez de apelar a uma ‘guerra popular’ ou luta armada contra a direita, o conselho do PCC ao PKI foi “não entrem em pânico, não cedam a provocações”, uma posição ditada pela intenção de não fragilizar Sukarno por forma a salvar a ‘aliança’.

Mesmo quando a embaixada chinesa em Jakarta foi incendiada a resposta oficial chinesa foi o silêncio. A decisão dos últimos resistentes do PKI de se voltarem para a luta de guerrilha, apenas um eco do anterior movimento de massas, só chegou mais tarde, em 1967, quando era claro que as políticas de Pequim na Indonésia tinham colapsado.

A mais cruel das derrotas

A faísca que despoletou os ataques militares chegou pela mão de um grupo de oficiais radicais do exército, o G30S (Gerakan 30 de Setembro), quando encenaram um golpe a 30 de Setembro de 1965, capturando e assassinando seis generais de direita. Esta acção abortiva foi provavelmente lançada para impossibilitar um plano de golpe dos generais da direita, a ter lugar uma semana mais tarde. A oportunidade surgiu então para o alto comando do exército, apoiado pelo imperialismo, denunciar o golpe falhado como obra do PKI e lançar uma repressão massiva.

Os membros do PKI foram apanhados de surpresa pelo putsch dos G30S; embora fosse possível que uma parte da liderança tivesse conhecimento prévio do plano. No entanto, o que aconteceu de seguida pode ser sintetizado numa palavra: parálise. Assim que o exército lançou o seu contra golpe com propaganda anti-comunista massiva, só havia uma resposta possível para evitar o desastre, que era mobilizar as massas do PKI para as ruas e apelar à greve geral para prevenir um contra-golpe da direita e a tentativa de esmagar as hipóteses de resistência das massas.

Este movimento deveria ter exigido eleições imediatas, a terra aos camponeses, congelamento dos preços e aumentos salariais, a nacionalização da indústria sob o controlo democrático dos trabalhadores, direitos democráticos dentro do exército com a eleição dos oficiais, e a formação de milícias armadas de trabalhadores. Tal iniciativa teria uma boa hipótese de sucesso se tivesse sido feita imediatamente, antes da liderança de direita do exército consolidar a sua posição. Infelizmente, ignorando a faca apontada à sua garganta, os líderes do PKI não fizeram qualquer apelo e depositaram as suas esperanças no seu ‘amigo’ Sukarno para salvar a situação. Existem semelhanças na impreparação e incapacidade dos quadros do PKI face à investida repressiva com a Alemanha de 1933 e o Chile de 1973. Membros e líderes do PKI, foram deixados sem qualquer plano de sobrevivência. “Aguardem instruções” parece ter sido o conselho difundido – mas as instruções nunca chegaram!

A desordem do PKI e o banho de sangue que se seguiu são um aviso arrepiante para a classe trabalhadora internacional de como erros políticos – ilusões em políticos burgueses, falta de um claro programa socialista e subestimação da determinação brutal do inimigo de classe – se podem traduzir na mais cruel das derrotas. À medida que uma nova geração de lutadores da classe trabalhadora e de jovens socialistas emerge na Ásia, estas lições escritas a sangue têm de ser aprendidas.

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