Eleições Europeias: a austeridade perde… mas a esquerda também

Gonçalo Romeiro, Socialismo Revolucionário Lisboa

O resultado das eleições do passado dia 25 de Maio mostrou um claro chumbo da política de austeridade dos partidos da troika (CE/BCE/FMI). No total, os partidos da Troika (PS/PSD/CDS) perderam mais de 430 mil votos, a abstenção subiu aos 67% enquanto o populista de direita Marinho e Pinto, pelo Movimento Partido da Terra (MPT) salta de menos de 1% para os 7,14%. No entanto, esse descontentamento generalizado não se traduziu num crescimento da esquerda correspondente. Apesar da CDU voltar a crescer, conseguindo mais 37 mil votos e 3 deputados, o BE quase perde os 3 deputados que conseguiu em 2009, e só com muita dificuldade reelege Marisa Matias.

Do chumbo da austeridade ao crescimento da extrema-direita

Em toda a Europa foi clara a derrota dos partidos que têm levado a cabo programas de austeridade a mando da classe dominante europeia. Em Portugal, os partidos do governo perdem mais de 500 mil votos, ao passo que o PS, atado ao Memorando e comprometido com a austeridade perpétua inscrita no Tratado Orçamental, só cresce 86 mil votos. Os clamores de “vitória” não duraram muito com António Costa a desafiar a fraca liderança de António José Seguro, “mudança” para continuar tudo na mesma, pois no que diferem Costa e Seguro não é na visão que têm para o país, mas no carisma. No entanto, os dois grandes capitalisadores do descontentamento contra as políticas dum sistema em crise foram a abstenção e a extrema-direita, que ganha eleições em França, Inglaterra e Dinamarca e cresce consideravelmente em países como Grécia, Finlândia e Alemanha. A aliança europeia de extrema-direita tornou-se a 3ª maior força no Parlamento Europeu (PE) e conta com a presença dos neo-nazis da Aurora Dourada e do NDP alemão. Em Portugal, a eleição do populista homofóbico e xenófobo Marinho e Pinto, assim como outras movimentações da extrema-direita, são um sinal de alerta. Estas eleições provaram que a ameaça do fascismo não ficou enterrada no século XX, e a Esquerda deve organizar-se tendo isso em conta. A luta contra a extrema-direita tornou-se uma prioridade, especialmente em países com largas comunidades imigrantes como é o caso de Portugal.

Porque perdeu a esquerda estas eleições? Que lições tirar?

Uma pergunta impõe-se: se o descontentamento com a austeridade aumentou, porque não cresceu o apoio à esquerda que se tem oposto a ela? Desde o início da crise de 2008 que a esquerda em Portugal tem dificuldade em transformar a raiva contra a austeridade num movimento que a consiga derrotar.

A esquerda parlamentar, PCP e BE, conduz a sua actividade política dentro dos limites impostos pelo parlamentarismo burguês, os seus deputados, em regra, concentram-se mais em propor projectos de lei que são sistematicamente chumbados do que em usar essas posições para construir uma verdadeira oposição de luta fora do Parlamento, sendo dessa forma afectados pelo “desgaste da política”, i.e. da política burguesa. Isto apesar do PCP ter uma posição muito forte quer a nível autárquico quer a nível sindical, e do BE ter dezenas de militantes eleitos localmente e na liderança da CGTP, ao conduzirem a sua actividade política dentro dos limites do sistema, ficam atados a ele e são incapazes de construir um movimento de massas capaz de transformar em realidade aquilo que dizem defender, continuam sem elaborar um plano de luta para derrubar o governo, continua a não dar passos decisivos para uma Frente Unida da esquerda para construir uma alternativa dos trabalhadores ao bloco central As lutas, mesmo as mais avançadas, como as greves gerais, não tinham por objectivo tornar o país ingovernável, ie tornar impossível a aplicação da austeridade na prática. Mesmo essas lutas culminaram sempre num apelo às instituições (Presidente da República) para que demitisse o governo, apelos obviamente ignorados.

A subida da extrema-direita eurocéptica é uma prova clara de que a classe trabalhadora percebe que a austeridade é uma política europeia levada a cabo pela UE. No entanto, uma parte da esquerda, como o BE, continua a alimentar ilusões numa UE “dos povos”, agarrando-se a um “projecto europeu” vendido pela direita, mas que nunca existiu, e os trabalhadores sentem isso instintivamente. A UE mais não é que uma superestrutura criada pelas burguesias do centro da Europa para criar um mercado europeu único e liberalizado para escoar os seus produtos, e as suas políticas, como testemunhamos hoje, a última coisa que geram é “solidariedade entre os povos”, é um mercado único que beneficia as burguesias do centro, subsidia as da periferia e arrasta para a miséria e precariedade toda a classe a trabalhadora europeia. O PCP tem construído uma crítica mais sólida e realista desta instituição e dos seus mecanismos de domínio, como o Euro, no entanto falha em apresentar uma alternativa clara à Europa dos patrões, criando a ilusão de que há solução para a actual crise no quadro nacional. Ambos falham em perceber que não há solução dentro do sistema, que chegámos a um daqueles momentos da história em que temos de escolher entre “Socialismo ou barbárie”. E a barbárie está a avançar…

A esquerda extra-parlamentar não acrescentou nada de novo, e os seus resultados reflectem isso. O LIVRE, que se apresentou a eleições pela primeira vez, dividiu ainda mais a esquerda (assim como, infelizmente, o MAS), apesar de defender, em palavras, a convergência da esquerda. A outra novidade foi o MAS, Movimento Alternativa Socialista, no seu Manifesto e intervenções públicas nunca falou em Socialismo, não falou sequer em Capitalismo! A mensagem que o MAS passou foi a de que todos os males do país têm a sua origem não na UE e no sistema capitalista em crise mas no Euro e na corrupção, como se a maior crise do capitalismo mundial desde 1929 fosse o resultado não das suas contradições intrínsecas, mas sim da corrupção e dos privilégios dos políticos. É uma posição que lamentamos, pois o MAS tinha a oportunidade de realmente acrescentar algo de novo à esquerda, e de, verdadeiramente, “dizer o que ninguém diz”.

Não à União Europeia dos patrões! Por uma Europa socialista e dos trabalhadores!

A crítica à União Europeia não deve ser deixada à extrema-direita, que desvia as atenções dos trabalhadores das reais causas da crise e seus reiais responsáveis, a classe dominante, para os sectores mais frágeis da sociedade: os imigrantes, os homossexuais, as mulheres, etc. A crítica à UE deve ser feita pela esquerda anti-capitalista, bem podemos dizer “Que se lixe a Troika”, se continuarmos a alimentar ilusões na UE de pouco servirá, pois a troika é a UE, o Tratado Orçamental, a nova lei fundamental da UE, ou seja, a sua Constituição, é o garante disso.

À Europa dos patrões devemos opor uma Europa dos trabalhadores e à ditadura dos mercados devemos opor a democracia socialista. O sistema capitalista não é reformável, a história prova-o com a tragédia da ascensão do fascismo nos anos 20/30 do século XX, não a devemos repetir em comédia. Devemos unir as lutas dos trabalhadores europeus, como fizemos a 14 de Novembro de 2012, delinear um plano de luta coordenada dos países sob intervenção da troika em preparação para uma Greve Geral Europeia e, a partir dessa união na acção, construir as bases para uma Europa socialista, onde as necessidades humanas e ambientais estarão à frente das necessidades do grande capital!

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