Os novos passes sociais: uma renda para o capital

Artigo de Sofia Cazel, Socialismo Revolucionário

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A subida brutal das rendas, que resultou na expulsão massiva de trabalhadores dos centros de Lisboa e do Porto para cada vez mais longe, os salários de miséria e os preços absurdos dos passes — que chegavam a 30% do salário mínimo —, geraram uma situação em que um número crescente de trabalhadores ficava incapaz de procurar trabalho fora da sua localidade. Os capitalistas começaram a ter um problema de acesso a uma mercadoria indispensável: a força de trabalho.

O que são os novos passes sociais?

Além de uma medida eleitoralista, os passes são uma resposta às necessidades do capital — facilitando-lhe o acesso a força de trabalho — e uma renda para empresas privadas de transportes. O Estado pagará todos os meses a diferença de preços entre os velhos e os novos passes, e como estes novos contratos se baseiam numa estimativa do número de passageiros, pagará sempre em excesso. O privado terá os lucros intocados, senão aumentados, e assegurados pelo Estado.

Mantendo a mercantilização dos transportes, esta medida dá ainda aos capitalistas poder sobre a própria existência do acordo, o que significa que a sustentabilidade dos novos passes é muito duvidosa. Luís Cabaço Martins, administrador da Barraqueiro, já o deixou claro ao ameaçar que o acordo estaria em risco caso o Estado não compensasse as empresas ou pagasse a “más horas”. E como típico patrão, ainda se queixou de dificuldades em “pagar salários e combustíveis” apesar dos enormes lucros da Barraqueiro.

Quem paga por esta medida?

A redução do preço dos passes aumenta a mobilidade dos trabalhadores e a utilização dos transportes públicos. Em abstracto, isto é muito positivo. Mas na realidade concreta, com uma rede de transportes degradada e insuficiente, estamos a falar da aceleração da degradação, da superlotação, do caos.

Com 100 mil novos utentes previstos para este ano e os 10 mil novos cartões pedidos em Lisboa só entre 25 e 28 de Março, a crise é iminente.

Os primeiros efeitos já se sentem: a Transtejo Soflusa, com mais passageiros e sem aumento da frota ou contratação de trabalhadores, tem agora os barcos para o Barreiro a iniciar a viagem somente após atingir a lotação total, independentemente do horário! Na Fertagus, onde houve mais 500 mil validações de títulos em Abril deste ano do que em Abril do ano passado, retiraram-se bancos das carruagens para caberem mais passageiros de pé. Todas as “soluções” dos capitalistas obedecem a esta regra: não investir nem aumentar os custos de manutenção. Os trabalhadores são a última preocupação, até porque não têm alternativa senão aceitar o que houver.

Como se não bastasse tudo isto, a medida é um forte golpe nas contas das empresas públicas de transportes. Estas empresas já estavam numa situação de subfinanciamento, mas agora, com a canalização do investimento para os privados e a redução dos preços dos passes, estão numa situação fatal. Ainda mais porque pagam toda a manutenção, mesmo quando o lucro vai para empresas privadas — como no caso da Refer (pública), que faz a manutenção das infraestruturas utilizadas pela Fertagus (privada).

Por fim, há o problema das dívidas que estas empresas públicas contraem para funcionar, com contratos swap e juros absurdos que são só outro mecanismo para encher os bolsos do capital financeiro. Não é difícil entender que se está a preparar a privatização de tudo o que resta.

No fim das contas, a classe trabalhadora pagará muito caro por estes passes.

A luta é pela nacionalização sob controlo dos trabalhadores!

As declarações celebrativas do BE e do PCP sobre este acordo mantêm a máscara de esquerda de um governo do capital. Estas burocracias não só ignoram a situação dos trabalhadores e do investimento público, como ainda competem inutilmente pelo mérito da medida. É o PS, depois de anos de apoio praticamente acrítico da esquerda, quem fica com todo o mérito.

O que se exige da esquerda é um plano de luta para a expropriação e nacionalização dos transportes sob controlo de organizações de trabalhadores e utentes. Só assim se põe fim aos lucros especulativos do privado e se consegue um investimento massivo no sector para alcançar de facto o direito à mobilidade, ou seja, transportes gratuitos e uma rede que cubra as necessidades de todas as localidades e regiões do interior. A planificação centralizada a nível nacional possibilitaria ainda uma rede de transportes realmente ecológica, com investimento na transição de todo o sector para energias limpas. Para tudo isto, claro, é indispensável a nacionalização da banca — anulando as dívidas das empresas públicas — e garantindo que a igualmente indispensável taxação dos grandes lucros não resulta na fuga de capitais.

Se dentro da lógica capitalista não há solução, está na hora de ultrapassar esta lógica.

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