Eleições legislativas 2011: Mais uma oportunidade perdida.

Qual futuro para a esquerda em Portugal?

Mauro Kato, CIT

O Ruptura/ Frente de Esquerda Revolucionária reclama coligação entre PCP e BE para governo alternativoApós o desfecho das eleições legislativas deste ano e as consequentes reacções dos partidos envolvidos, cabe agora realizar uma pequena análise que sintetize uma perspectiva de esquerda sobre estes resultados.

Os debates televisivos entre os principais candidatos colocaram em evidência o pouco que a actual liderança dos partidos de esquerda tem a oferecer aos eleitores, uma vez que não tiveram a capacidade de orientar os debates e discursos de campanha para um nível superior. Enquanto os partidos de direita mantinham o acento tónico sobre a fatalidade de submissão ao programa da troika, Jerónimo de Sousa e Francisco Louçã não ousam falar em socialismo ou comunismo diante do grande público. O resultado histórico de abstenção este ano reflecte a incapacidade do PCP e BE em oferecer uma alternativa sólida aos eleitores.

É patente que o grande perdedor destas eleições foi o Bloco de Esquerda, com 8 deputados eleitos, os seus líderes partidários responsabilizam uma “convergência para a direita” e o “voto útil” como os motivos que causaram este resultado que colocou o partido em crise. Porém o que realmente sucedeu foi a reacção do seu eleitorado face à aproximação que o Bloco tem feito ao PS nos últimos tempos. O apoio a Manuel Alegre foi decisivamente o mais grave, mas não podemos esquecer o apoio ao projecto TGV e à intervenção da Troika na Grécia, a conivência dos seus eurodeputados à invasão da Líbia e a falta de vontade da sua liderança em criar uma frente unida com o PCP também enfraqueceram o Bloco, uma vez que os eleitores que realmente votam numa esquerda em Portugal optaram por votar no PCP ou simplesmente se abster. Mesmo que aceitemos a chamada “convergência à direita” por parte do seu eleitorado, podemos concluir então que parte do eleitorado do Bloco não vota por uma ideologia mas numa forma de pensamento que visa racionalizar o voto, através do programa que julgam mais praticável. A atitude do Bloco a não ser que mude radicalmente num futuro próximo será de degradação, uma vez que enquanto o PCP conta com uma base estável de eleitorado (apesar de envelhecida) e com a influência que possui no sector sindical, o Bloco depende sobretudo da opinião pública, tornando-se então num partido que terá resultados muito voláteis especialmente em situações como a actual em que a intervenção da troika assusta e confunde os eleitores com o apoio da máquina informativa ao seu dispor.

Enquanto a liderança do Bloco de Esquerda for dirigida pela ala direita (a ala maioritária), os jovens, que sempre viram o BE como um partido apelativo à sua realidade perderão progressivamente confiança neste partido e por conseguinte procurarão criar formas alternativas de auto-organização como o movimento da “Geração à Rasca” e o movimento das acampadas e assembleias populares que são de facto muito mais apelativos do que o que os partidos de esquerda actualmente têm a oferecer. É imperativo uma guinada à esquerda, uma vez que a situação actual do BE pode ser sintetizada através da seguinte citação de R. Luxemburgo:

“Oportunismo, incidentalmente, é um jogo político que pode ser perdido de duas formas: não apenas princípios básicos mas também o sucesso prático pode ser perdido.” in Oportunismo e a arte do possível.

Quanto à situação do Partido Comunista Português, o resultado como já esperado foi de uma quase estagnação. Com o dobro dos deputados do BE, mesmo assim a percentagem de votos tem-se mantido quase inalterada nos últimos anos, a diferença está em terem elegido mais um deputado comparando com 2009, a liderança do PCP considera-se “mais forte para continuar a luta”. A situação real é oposta, com a queda acentuada do Bloco, a ala esquerda da Assembleia conta agora apenas com 24 deputados contra os 206 da ala direita. O resultado deplorável das presidenciais deste ano demonstraram bem a fragilidade do PCP, apesar de contar com uma base muito mais sólida que o BE, e ter conseguido manter uma coerência ideológica em suas propostas e actuações, mas esta rigidez de posições é uma faca de dois gumes, visto que os seus erros permanecem também os mesmos, no plano internacional, podemos ver o PCP “evitando” criticar regimes que não estão alinhados com as políticas dos EUA-EU, como no caso de Cuba, Venezuela, Coreia do Norte e China, mesmo que esses regimes não contribuam em nada para uma agenda comunista internacional. No plano nacional, podemos ver pelo histórico das campanhas presidenciais, que o PCP desistiu 3 vezes para apoiar candidatos do PS temendo uma eleição de candidatos da direita, e de a nível municipal em Lisboa por exemplo, terem iniciado um programa de privatizações em coligação com o PS no tempo de Jorge Sampaio e João Soares. A velha ideia de um partido Estalinista só serve para isolar o PCP e os seus militantes da variedade de movimentos sociais que existem hoje na nossa sociedade.

Uma vez que o PCP com toda sua proeminência não realiza o seu dever mais importante, que é aumentar o nível de consciência da população sobre o ideal comunista, enquanto o comunismo for uma palavra tabu nos debates, enquanto não se colocar em evidência as contradições óbvias do capitalismo para o grande público, o PCP corre o risco de definhar, ao exemplo dos PCs que (ainda) existem no resto da Europa e em certa medida na América Latina. O PCP deve portanto aproveitar a situação excepcional que (ainda) existe em Portugal e oferecer uma proposta de esquerda que seja concreta, que não se socorra da demagogia “Patriótica” para conseguir mais votos. Pois como muito claramente expõe Emma Goldman: “ É certo que não são os ricos que contribuem para o patriotismo. Eles são cosmopolitas, perfeitamente em casa em qualquer terra.” in Patriotismo – Uma ameaça à Liberdade.

Uma vez que os detentores do poder, do capital, possuem de forma bem sedimentada uma ideia de “classe” é imperativo que o PCP por seu lado volte a colocar a ideia de “classe” também para os trabalhadores. Só um programa que defenda abertamente o socialismo/comunismo sem medo de perder votos como contrapartida, um discurso que torne claro que o actual Partido Socialista não representa em nada as ideais de esquerda, ao contrário do que a população em Portugal ainda acredita. Por fim, o PCP deve repensar-se internamente, pois a luta contra as relações de domínio na nossa sociedade deve começar por se impedir as relações de domínio dentro das próprias organizações e estruturas de luta. Uma defesa da democracia de base, a única democracia que pode suplantar a que existe actualmente.

O resultado destas eleições podem ser tidos como uma derrota, mas caso os partidos de esquerda aprendam algo dela, os frutos que poderão advir trarão um novo ímpeto à luta de todos os sectores da esquerda em Portugal. Por uma frente unida e por uma defesa aberta do Socialismo.

“Nós, que nos opomos inteiramente à ordem actual vemos as coisas de forma bastante diferente. No nosso não, em nossa atitude intransigente reside toda a nossa força. Esta atitude que nos garante o medo e respeito dos nossos inimigos e a confiança e apoio do povo.” R. Luxemburgo.

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