Comuna de Paris 1871 – Quando os trabalhadores “assaltaram o céu”

140º aniversário das heróicas poucas semanas em que os trabalhadores tomaram o poder

Niall Mulholland, CIT

As lutas de massas contra as ditaduras e a pobreza varreram o Norte de África e o Médio Oriente, encorajando trabalhadores e jovens na região e internacionalmente a procurar aprender com movimentos revolucionários anteriores.

Este ano passa o 140º Aniversário da Comuna de Paris, quando por algumas breves mas heróicas semanas a classe trabalhadora chegou pela primeira vez ao poder. Nas palavras imortais de Karl Marx, as massas “assaltaram o céu”.

Em circunstâncias extremamente perigosas, os trabalhadores parisienses tentaram reorganizar a sociedade e abolir a exploração e a pobreza, antes de cair debaixo de uma brutal contra-revolução.

O pano de fundo para a Comuna, como acontece com as revoluções russas de 1905 e 1917, foi a guerra. Confrontada com o declínio económico e um movimento laboral cada vez mais combativo, o desesperado e corrupto regime de Luís Napoleão Bonaparte – o auto-proclamado imperador da França – declarou guerra à Prússia em Julho de 1870.

A sua derrota quase imediata no campo de batalha conduziu a uma revolta das massas de Paris. Foi declarada a nova Terceira República e estabelecido o Governo Provisório de Defesa Nacional (GPDN). A formação da Guarda Nacional, constituída por 200.000 homens, significou que as massas de Paris estavam agora armadas. Os ministros pró-capitalistas do GPDN temiam muito mais o potencial de conflito de classes com essas forças do que o inimigo, a Prússia.

O cerco de 135 dias da capital francesa por dois exércitos prussianos, maiores derrotas do exército francês e a notícia de que o GPDN estava a negociar os termos de rendição com os prussianos levou a uma revolta de sectores dos trabalhadores e da Guarda Nacional.

Liderados pelo veterano revolucionário, Louis Auguste Blanqui, e os seus seguidores, eles tomaram o Hotel de Ville a 31 de Outubro e criaram o Comité de Segurança Pública.

Blanqui tinha uma forte influência entre a esquerda e os activistas operários em Paris, e era respeitado pela sua coragem. O Blanquismo, contudo, era uma ideologia socialista utópica, que defendia que grupos secretos de conspiradores poderiam agir como um substituto para a acção de massas dos trabalhadores. A maioria dos trabalhadores ainda não estava pronta para se levantar contra o GPDN e a insurreição acabou por ser fora do tempo e isolada.

Luta de Classes

O terrível cerco da cidade continuou mas também a luta de classes e a repressão estatal. No final de Janeiro de 1871, tropas do governo abriram fogo contra manifestantes frente à Câmara Municipal. Pouco depois, o GPDN fez finalmente o que vinha há muito tempo a planear e anunciou que estava disposto a render-se e entregar-se ao chefe militar prussiano, Otto von Bismarck. Os prussianos insistiram em concessões draconianas, incluindo a perda de dois territórios, a Alsácia e a Lorena Oriental, e enormes reparações de guerra.

As eleições em Fevereiro conduziram o reaccionário Adolphe Thiers à liderança da nova Assembleia Nacional, cheia de monárquicos e rurais reaccionários. A Assembleia antagonizou o conjunto de trabalhadores parisienses e os pequenos comerciantes e artesãos, ameaçando cancelar o salário de muitos dos Guardas Nacionais e exigindo que as rendas em atraso e as dívidas fossem pagas imediatamente. Esta ameaça de falência dos trabalhadores e pequena burguesia, juntamente com o perigo de uma restauração monárquica e represálias da Prússia, levaram a uma nova radicalização entre as camadas pobres e médias da sociedade.

Quando foi democraticamente eleito um Comité Central da Federação da Guarda Nacional, Thiers decidiu pôr um fim ao emergente governo alternativo e mandou o envio de 20.000 soldados franceses para capturar os canhões colocados estrategicamente em Montmartre, a colina que domina a cidade.

Contudo, as tropas desobedeceram às ordens de disparar sobre as multidões de trabalhadores e executaram dois generais.

Foi precisamente nesta altura que a Guarda Nacional passou à ofensiva. Thiers e o seu governo fugiram de Paris para Versalhes. O exército estava a desintegrar-se [os oficiais a apoiarem o GPDN e os soldados a apoiar o CC da Guarda Nacional] Mas o Comité Central, dominado por conservadores, tentando adiar a situação e sem um claro programa socialista e uma táctica e estratégia delineadas, não conseguiu vencer as tropas em retirada e acabar com a resistência em Versalhes.

Os líderes da Guarda Nacional organizaram as eleições para as autarquias, com base no sufrágio universal masculino, em cada localidade, que se realizaram a 26 de Março. A Comuna, município da cidade, fazia lembrar a Comuna formada durante a Revolução Francesa, em 1792, que era vista como um organismo de controle popular.

Os membros da Comuna de 1871 foram eleitos e podiam ser demitidos a qualquer momento. Quase metade dos membros eleitos eram trabalhadores qualificados, enquanto os outros integravam membros radicais da classe média como médicos, contabilistas e jornalistas. Karl Marx comentou: “Esta foi a primeira revolução em que a classe operária era abertamente reconhecida como a única classe capaz da iniciativa social …“.

A Comuna de 90 membros era constituída por vários republicanos de Esquerda, mas também um número significativo eram membros da Associação Internacional dos Trabalhadores – a Primeira Internacional.

Proudhon

Como haviam blanquistas, haviam também seguidores de Pierre Joseph Proudhon. Ele era contra as grandes empresas e apelava à pequena propriedade, à constituição de cooperativas populares e de bancos de trocas. Desta forma, os trabalhadores estariam “a adquirir os meios de produção” e poderiam operar num “mercado justo”.

No seio da Primeira Internacional, Karl Marx lutou contra as ideias anarquistas de Proudhon e a ilusão de que o capitalismo pode ser derrubado por meio de reformas. Proudhon não compreendia o papel histórico da classe trabalhadora na abolição do capitalismo – por causa de seu tamanho, força e consciência colectiva – e rejeitou o governo democrático da classe trabalhadora na transição para o socialismo e uma sociedade sem classes.

As medidas da Comuna

Apesar dos limites e confusão dos líderes da Comuna, reformas sociais e económicas de grande alcance foram decretadas. O exército permanente foi abolido e substituído com a Guarda Nacional de cidadãos armados. Salários para os membros da Comuna foi limitados para ajudar na prevenção do carreirismo e da burocracia. O internacionalismo inerente dos communards foi indicado pelo famoso slogan: “a bandeira da Comuna é a bandeira da República mundial“.

A Igreja e o Estado foram separados, a religião já não seria ensinada nas escolas, e a propriedade da Igreja foi abolida.

As reformas económicas incluíram a abolição dos cartões de inscrição dos trabalhadores e do trabalho nocturno para os padeiros. As casas de penhores foram fechadas. As dívidas foram canceladas por um período. As fábricas abandonadas pelos seus proprietários em fuga deviam ser assumidas por associações de trabalhadores como sociedades cooperativas. Esperava-se organizar os locais de trabalho num “grande Sindicato”.

As insuficiências da Comuna

No entanto, a revolução parou pela metade do caminho. Os sectores decisivos da economia foram deixados intactos. Os líderes da Comuna não foram capazes de nacionalizar o Banco da França. Nem introduziram uma jornada de oito horas de trabalho, como um primeiro passo para permitir aos trabalhadores o tempo para começar a participar na construção de uma nova sociedade.

Como foi, a Comuna teve pouco tempo para colocar em prática as suas políticas. Apavoradas com a possibilidade da revolução se poder espalhar por toda a França e pela Europa, as classes dominantes francesas e prussianas uniram-se então contra o inimigo comum – a classe trabalhadora em revolta.

O exército francês sitiou Paris, bombardeando-a continuamente. Thiers simulou o desejo de iniciar negociações para ganhar tempo para se preparar para seu ataque final. Contra este ataque, os líderes da Comuna subestimaram o inimigo de classe e adoptaram uma atitude defensiva.

Após algumas derrotas pesadas no início de Abril, o exército francês, tendo em conta a livre passagem que lhe foi dada pelo exército de ocupação prussiano, finalmente entrou em Paris a 21 de Maio. Seguiram-se oito dias de terríveis massacres.

A vingança da burguesia

Cerca de 30.000 homens, mulheres e crianças foram assassinados, 38 mil foram presos, e até 15.000 deportados. Thiers estava determinado a destruir fisicamente os sectores mais avançados da classe operária e de acabar com a memória viva da Comuna.

Sobre este último aspecto, Thiers e a classe dominante capitalista falharam completamente. Marx e Friedrich Engels estudaram em grande detalhe a dinâmica da Comuna – “um novo ponto de partida de importância mundial” – salientaram que a classe trabalhadora, chegando ao poder, não podia contar com o aparelho estatal capitalista – que teriam de derrotá-lo e criar o seu próprio.

Aprender com a Comuna

Lenine e Leon Trotsky, co-líderes da vitoriosa Revolução Russa de 1917, concluíram que, acima de tudo, a Comuna de Paris falhou porque faltou um partido revolucionário da classe operária. Tal partido tem raízes profundas entre a classe trabalhadora e a juventude e, estudando as lições dos movimentos internacionais, prepara com antecedência a luta pelo poder.

Hoje, a classe trabalhadora é inegavelmente mais forte na França, na Europa e internacionalmente do que era em 1871 ou 1917. Os derrubes de Ben Ali, na Tunísia e de Mubarak, no Egipto, no inicio deste ano, foram levados a cabo com a intervenção decisiva da classe operária.

Mas essas revoluções, até agora, deram resposta apenas a uma parte dos seus objectivos, contudo não têm uma garantia real acerca da duração de direitos democráticos ou se vão ganhar mudanças económicas e sociais fundamentais.

Como com a heróica Comuna de Paris, a construção de organizações independentes de massas da classe trabalhadora, armadas com políticas socialistas, é vital para realizar as aspirações do povo trabalhador do Norte da África, do Médio Oriente e em todo o mundo.

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